Por Coletivo ParabElo da Corrente.
Feira em Pirituba nunca foi novidade. Quem caminha pelas encruzilhadas daqui sabe bem. A Feira faz parte da nossa memória, dos nossos (des)encontros, e há quem diga que sente falta se não der pelo menos uma passadinha e sentir essa apoteose de barracas, passos e cheiros. Mas a Pirituba City, a outra dentro daqui, também clama por sua Feira, não a do Monte Alegre, a da Santa Mônica a da Nova Esperança. Essas tem cheiro de gente, tem cheiro de chepa, e a Pirituba City reconhece que essa gente é humilde, lutadora, guerreira, ri até na tristeza, mas é bom evitar. É hora da Feira Busine$$, dos galpões, dos estacionamentos abarrotados de blindados, dos holofotes, do silêncio, da higiene, do stand pálido e de sorriso falso. Nada de “moça bonita não paga, mas também não leva”, de “pode chegar freguesa, que a fruta tá uma beleza”, nada de bermuda, pés descalços, cheiro de pastel, de peixe, de resto do fim.
A Feira Busine$$ em questão é a Expo 2020, considerada o 3º maior evento mundial atrás apenas da Copa do Mundo e das Olimpíadas, juntos os três mega eventos tem pautado a política espetáculo que tem administrado a cidade e privilegiado o investidor e o turista internacional em detrimento da participação da população paulistana, sobretudo no que diz respeito aos moradores das regiões mais afetadas pela espetacularização, como Itaquera e Pirituba, por exemplo. O tema apresentado para a edição São Paulo da Expo2020 é O Poder da Diversidade, Harmonia para o Crescimento, diversidade e harmonia aqui aparecem como sinônimos de consensualização uma vez que o processo de gentrificação, engendrado por eventos deste porte, não só negligenciam a participação popular - neste caso pelo menos 400 mil habitantes - como representam uma ameaça nefasta às suas respectivas formas de vida.
A chamada Feira Universal, ao trazer junto consigo um modelo genérico e mundializado de cidade em detrimento das especificidades imanentes aos modos de vida locais, se insere em uma conjuntura econômica internacional globalizada, na qual conglomerados transnacionais atuam através da descentralização da produção, explorando possibilidades de oferta de mão-de-obra barata, organizada através de franquias, subcontratações e terceirizações. Sobre este assunto, a arquiteta e urbanista Raquel Rolnik explica que “boa parte da produção contemporânea do urbanismo tem sido mobilizada para criar uma cenografia de tal forma que a cidade se transforme numa espécie de produto à venda num stand, fazendo parte de uma megaexposição global de cidades à procura de empresários transnacionais que decidam nela investir”. O que parece evidente se nos atentarmos ao trecho do vídeo de divulgação da Expo 2020 intitulado A cidade de todos, no qual podemos ler e ouvir os seguintes dizeres: Minha cidade é vibrante / Cheia de vida/ Cosmopolita, urbana, futurista / Uma das dez economias mais dinâmicas do mundo/ A economia criativa é muito forte aqui.
A campanha promovida pela prefeitura de São Paulo, para sediar a Expo2020, associa a força da economia criativa local com o poder da diversidade global como uma suposta natureza da cidade. Afinal, trata-se de uma metrópole com tradição em abrigar cotidianamente pessoas de diversas partes do mundo. Logo, a capital paulista, com temperaturas amenas durante todo o ano, teria hospitalidade e jogo de cintura para lidar com todo tipo de (a)diversidade. Entretanto, a estratégia de marketing pró Expo2020 deixa escapar outra perspectiva inerente ao próprio slogan. Ao associar os termos diversidade e harmonia uma contradição tornar-se-ia latente: em que medida poderíamos encontrar harmonia em um evento voltado à produção, circulação, promoção global de mercadorias que precarizam uma diversidade de formas de vida locais? Contraste: a feira do lado de dentro - espetacular, disciplinar e privatista e a feira do lado de fora - efêmera, vibrante e ruidosa.
Entre a Feira de fora, poética, possível espaço para prática da alteridade e a Feira de dentro, prosa asséptica, foco para práticas mercadológicas; surgem diferenças que potencializam o embate que ocorre sub-reptícia e diariamente em meio a pelo menos duas Piritubas: a Pirituba etimologicamente favela (mato rasteiro) e a Pirituba City, a qual tenta adaptar São Paulo a modelos e padrões genéricos de cidade, ao conectar-se com uma diversidade de redes mundializadas pela qual circulam o capital econômico, científico, cultural do planeta e por meio dos quais as cidades não param - as cidades só crescem.
Assim, o sonho delírio de uma Paristuba pouco a pouco se monumentaliza: Torre Eiffel no Pico do Jaraguá. Enquanto, por debaixo da monumentalidade ainda pulsam entre os escombros desejos e vozes dissonantes e silenciadas. Fazer emergir alguma dessas vozes, algum desses desejos, mesmo que por um breve instante, na fugacidade de um acontecimento, pode configurar-se como forma de micro-resistência. Do lado de dentro e do lado de fora semelhanças e diferenças que movimentam possibilidades de reproduzir ou de inventar formas de se relacionar com o outro, com a vida. Inventar formas de escavar e desacoturnar realidades caladas pelo tempo-dinheiro – ou pela falta dele – gerar alembramentos que podem produzir lampejos fora da luz do espetáculo que a tudo e todos ofusca. Esta poderia ser a força movente da Performance Arte na Rua, ao aparecer desaparecendo fazer emergir no mesmo um outro, escovar a contrapelo a mesmidade para fazer falar uma alteridade - inventar relações possíveis com os vizinhos de hoje em detrimento de prostrar-se frente a um horizonte entoando loas ao amanhã. Hoje é dia de Feira, quem quiser, pode chegar.