quarta-feira, 20 de abril de 2011

De Poros Abertos: princípio de uma reflexão sobre o fazer performático

Gentrificação, Diego Marques, Arru(ação) no Largo São José do Belém, Abril de 2011.


Por Denise Rachel 

Ao largo, no Belém, a busca pela ação em detrimento da representação desafiou os corpos entretecidos sob sol escaldante. Árvores garantiam pontos de sombra, fezes de pombo garantiam pontos de escombros. Alimentar os pombos, enfeitar a igreja, observar as estátuas, parar em frente ao nada, sentar nos bancos, deitar na grama, andar, passar, correr, andar em câmera lenta, perceber a temperatura do próprio corpo, correr e preencher a amplitude, ao largo.

O que seria se afastar da representação e alcançar a ação? Quais as barreiras que nos impediriam de experimentar a realidade do aqui - agora? Quais experiências nos auxiliariam a romper a representação e alcançar a presentificação?

Suely Rolnik, em artigo sobre a subjetividade na obra de Lygia Clark, parte da perspectiva da sensação como matéria artística para chegar ao sentido das invenções/intervenções da arte contemporânea.

“Sensação” é precisamente isso que se engendra em nossa relação com o mundo para além da percepção e do sentimento. Quando uma sensação se produz, ela não é situável no mapa de sentidos de que dispomos e, por isso, nos estranha. (Suely Rolnik, 2002)

O mapa de sentidos, construído a partir de um recorte cultural racionalista, não dá conta, em um primeiro momento, de localizar determinadas experiências que extrapolam o gráfico cartesiano. A estranheza da sensação vem em situações em que estamos realmente presentes, sem tramas, de poros abertos. Dessa forma, o agir pode se tornar algo sobrenatural e quase imponderável quando experienciado pelo viés da sensação, e...

Para nos livrarmos do mal-estar causado por esse estranhamento nos vemos forçados a “decifrar” a sensação desconhecida, o que faz dela um signo. Ora, a decifração que tal signo exige não tem nada a ver com “explicar” ou “interpretar”, mas com “inventar” um sentido que o torne visível e o integre ao mapa da existência vigente, operando nele uma transmutação. (idem)

Estar presente gera um efeito de problematização do mundo, como se este fosse encarado pela primeira vez na novidade do instante.

O mundo liberta-se de um olhar que o reduz às suas formas constituídas e sua representação, para oferecer-se como matéria trabalhada pela vida enquanto potência de variação e, portanto, matéria em processo de arranjo de novas composições e engendramento de novas formas. A arte participa da decifração dos signos das mutações sensíveis, inventando formas através das quais tais signos ganham visibilidade e integram-se ao mapa vigente. A arte é portanto uma prática de experimentação que participa da transformação do mundo. (idem)

Assim, ao largo, sob sol escaldante, tivemos uma experiência de quase morte. A ação era embrulhar uma pessoa dos pés a cabeça com jornal, não qualquer jornal, mas classificados de imóveis. Os passantes, convidados a procurar o imóvel dos seus sonhos naquele corpo, em frente à igreja, hesitavam, evitavam, exclamavam, reagiam incrédulos na tentativa de mapear aquele acontecimento. Enquanto isso, o performer, apartado do corriqueiro, se esvaía em sensações, praticamente imóvel, classificado, desenraizado de si e dos outros, em transmutação. A ação induzia à representação através do mapeamento de signos (corpo, jornal, procurar e marcar imóveis), numa interpretação que surgia a partir da ruptura com o convencional. O instante presente instaurava a sensação de novidade, os poros se abriam como receptáculos, processadores e transformadores do dito real. Quem não estava ao largo, repentinamente perdia o chão.