sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Pracialidades Performativas ou O que pode a performance na periferia?


Tudo começa com o conhecimento do mundo e se amplia com o conhecimento do lugar, tarefa hoje possível porque cada lugar é o mundo. É daí que advém uma possibilidade de ação”  

Milton Santos

Thalita Duarte Arru(ação) #4 Perfografia Edição2_Interlagos SP

 Por Diego Marques.

A segunda edição do projeto Perfografia desenvolvida na periferia de Interlagos, tornou-se possível mediante o aceite ao convite feito pela Cia Humbalada de Teatro para integrarmos a programação da I Mostra Beiçola, organizada com apoio da Lei Municipal de Fomento ao Teatro da Cidade de São Paulo. O evento faz parte de uma série de ações desenvolvidas pela companhia que, desde 2009, tem empreendido um projeto de revitalização da praça homônima à mostra, e consequentemente, aproximado sua práxis teatral do cotidiano dos moradores do Jd. Primavera.

Deste modo, temos aqui um exemplo de que frente a um mundo cada vez mais urbanizado pela globocolonização e a concomitante urbanização da experiência artística, a praça pode ser entendida como um potente espaço de articulação entre a arte e a cotidianidade, uma vez que, ao propiciar um espaço de convivência entre os habitantes de uma determinada localidade, esta se transforma num importante símbolo da vida pública, oferecendo-nos um contraponto às dinâmicas sociais privatistas que tem caracterizado o uso dos espaços urbanos na contemporaneidade.

Praticada como lugar público por excelência, a praça pode ser percebida como um lugar de encontro, na medida em que esta evidencia a experiência de proximidade a qual os homens foram assujeitados com a proliferação das cidades urbanas. Neste sentido, podemos pensar em algo ao qual o urbanista Eugênio Fernandes Queiroga denomina como pracialidade, ou seja: “concretudes, existências que se situam no tempo- espaço, participando da construção e da metamorfose da esfera da vida pública.” (Queiroga, 2001:137)

Segundo a artista visual Lilian Amaral, este estado de praça pode ser conferido a qualquer logradouro, desde que este possa ser utilizado como lugar para co-permanência e práticas intersubjetivas entre aqueles que habitam a metrópole. É nesta perspectiva que tem se desenvolvido o Perfografia edição #2_Interlagos, com o intento de espraiar o raio de ação da I Mostra Beiçola, ao instaurar pracialidades performativas em diversos pontos do Jd. Primavera, por meio de ações performáticas criadas em um corpo a corpo com o bairro.

Para além de conferir uma espécie de corporeidade poética a questões emergentes ao contexto no qual as performances foram concebidas, estas procuram agir como um interstício social no mesmo, ao incitar transitoriedades diacrônicas através do que Nicolas Borriaud chama de Utopias de Aproximação: práticas artísticas que atuam numa determinada territorialidade, no ensejo de fomentar outras possibilidades afetivas em relação a si mesmo, ao outro e ao meio, em oposição à sincronização hegemônica que o capitalismo espetacular estabelece a fim de promover a livre circulação de mercadorias, como a única finalidade para o uso do espaço urbano.

Para tanto, faz-se necessária a verticalização da ação performativa no tempo-espaço real, em detrimento da afirmação de um espaço simbólico autônomo e privado frente à realidade, de modo que o performer possa atuar como um ritualizador do instante-presente na medida em que o público comunga com o fenômeno performativo e estabelece espacialidades e temporalidades relacionais, pracialidades performativas que entranham poeticamente tecido social e tecido urbano, aproximando-se de um topos cênico-mítico analisado por Renato Cohen em Performance como Linguagem.

Similares às situações construídas preconizadas pela Internacional Situacionista em meados do século XX, as pracialidades performativas  inscrevem-se no Novo Gênero de Arte Pública ou Arte Comunitária como foi batizado nos Estados Unidos na década de 90, ao procurar estabelecer processos colaborativos e interativos nos contextos nos quais atuam. Neste aspecto, em detrimento de agenciar pretensas coletividades, Perfografia edição #2_Interlagos procura propor o corpo como ágora através de ações performáticas efêmeras, que ao invés de representarem a realidade, experimentam atuar nela, em diálogo com os moradores do Jd. Primavera.

No exercício do encontro com o outro, busca-se a partilha do sensível através do trivial, investigando a possibilidade de aisthesis em um cotidiano solapado pela imensurável miséria material e simbólica a qual o capitalismo triunfante nos submete diariamente. Deste modo, ao entendermos que distritos como Interlagos, Guainazes, Jaçanã e Pirituba dentre outros, podem ser lidos como exemplos da geografização da referida miséria na cidade de São Paulo (muito embora esta também esteja igualmente geografizada nos altos e baixos dos bairros centrais), em âmbito federal, podemos entender que a mesma encontra-se concentrada no Norte e Nordeste do Brasil, portanto, sendo as extremidades da capital paulistana as localidades relegadas à moradia de milhares de famílias migrantes provenientes desta região, é possível dizer que o nordeste é aqui.

Logo, ao perguntarmo-nos: o que pode a Performance no Nordeste? Estamos simultaneamente questionando-nos sobre o que pode a Performance em Pirituba ou em Interlagos.  Posto isto, encerro este texto com a fala feita pelo Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP e performer Lucio Agra, para o Circuito Regional de Performance Bode Arte, organizado pelo Coletivo ES3 e o Grupo Facetas, Mutretas e Outras Histórias no Rio Grande do Norte.