“Tudo começa com o conhecimento do mundo e se amplia com o
conhecimento do lugar, tarefa hoje possível porque cada lugar é o mundo. É daí
que advém uma possibilidade de ação”
Milton Santos
| Thalita Duarte Arru(ação) #4 Perfografia Edição2_Interlagos SP |
A segunda edição do
projeto Perfografia desenvolvida na
periferia de Interlagos, tornou-se possível mediante o aceite ao convite feito pela
Cia Humbalada de Teatro para
integrarmos a programação da I Mostra Beiçola,
organizada com apoio da Lei Municipal
de Fomento ao Teatro da Cidade de São Paulo. O evento faz parte de uma
série de ações desenvolvidas pela companhia que, desde 2009, tem empreendido um
projeto de revitalização da praça homônima à mostra, e consequentemente,
aproximado sua práxis teatral do cotidiano dos moradores do Jd. Primavera.
Deste modo, temos
aqui um exemplo de que frente a um mundo cada vez mais urbanizado pela globocolonização e a concomitante
urbanização da experiência artística,
a praça pode ser entendida como um potente espaço de articulação entre a arte e
a cotidianidade, uma vez que, ao propiciar um espaço de convivência entre os
habitantes de uma determinada localidade, esta se transforma num importante
símbolo da vida pública, oferecendo-nos um contraponto às dinâmicas sociais
privatistas que tem caracterizado o uso dos espaços urbanos na
contemporaneidade.
Praticada como
lugar público por excelência, a praça pode ser percebida como um lugar de
encontro, na medida em que esta evidencia a experiência de proximidade a qual
os homens foram assujeitados com a proliferação das cidades urbanas. Neste
sentido, podemos pensar em algo ao qual o urbanista Eugênio Fernandes Queiroga denomina como pracialidade, ou seja: “concretudes,
existências que se situam no tempo- espaço, participando da construção e da
metamorfose da esfera da vida pública.” (Queiroga, 2001:137)
Segundo a artista
visual Lilian Amaral, este estado de
praça pode ser conferido a qualquer logradouro, desde que este possa ser
utilizado como lugar para co-permanência e práticas intersubjetivas entre
aqueles que habitam a metrópole. É nesta perspectiva que tem se desenvolvido o Perfografia edição #2_Interlagos, com o intento de espraiar o raio de ação da
I Mostra Beiçola, ao instaurar pracialidades performativas em diversos
pontos do Jd. Primavera, por meio de ações performáticas criadas em um corpo a
corpo com o bairro.
Para
além de conferir uma espécie de corporeidade poética a questões emergentes ao
contexto no qual as performances foram concebidas, estas procuram agir como um
interstício social no mesmo, ao incitar transitoriedades diacrônicas através do
que Nicolas Borriaud chama de Utopias de Aproximação: práticas
artísticas que atuam numa determinada territorialidade, no ensejo de fomentar
outras possibilidades afetivas em relação a si mesmo, ao outro e ao meio, em
oposição à sincronização hegemônica que o capitalismo espetacular estabelece a
fim de promover a livre circulação de mercadorias, como a única finalidade para
o uso do espaço urbano.
Para tanto, faz-se
necessária a verticalização da ação performativa no tempo-espaço real, em
detrimento da afirmação de um espaço simbólico autônomo e privado frente à
realidade, de modo que o performer possa atuar como um ritualizador do instante-presente na medida em que o público
comunga com o fenômeno performativo e estabelece espacialidades e
temporalidades relacionais, pracialidades
performativas que entranham poeticamente tecido social e tecido urbano,
aproximando-se de um topos cênico-mítico analisado por Renato Cohen em Performance
como Linguagem.
Similares às situações construídas preconizadas pela Internacional Situacionista em meados do
século XX, as pracialidades performativas inscrevem-se no Novo Gênero de Arte
Pública ou Arte Comunitária como
foi batizado nos Estados Unidos na
década de 90, ao procurar estabelecer processos colaborativos e interativos nos
contextos nos quais atuam. Neste aspecto, em detrimento de agenciar pretensas
coletividades, Perfografia edição
#2_Interlagos procura propor o corpo
como ágora através de ações performáticas efêmeras, que ao invés de
representarem a realidade, experimentam atuar nela, em diálogo com os moradores
do Jd. Primavera.
No exercício do
encontro com o outro, busca-se a partilha do sensível através do trivial, investigando
a possibilidade de aisthesis em um cotidiano solapado pela imensurável
miséria material e simbólica a qual o capitalismo triunfante nos submete
diariamente. Deste modo, ao entendermos que distritos como Interlagos,
Guainazes, Jaçanã e Pirituba dentre outros, podem ser lidos como exemplos da geografização
da referida miséria na cidade de São Paulo (muito embora esta também esteja
igualmente geografizada nos altos e baixos dos bairros centrais), em âmbito
federal, podemos entender que a mesma encontra-se concentrada no Norte e Nordeste
do Brasil, portanto, sendo as extremidades da capital paulistana as localidades
relegadas à moradia de milhares de famílias migrantes provenientes desta
região, é possível dizer que o nordeste é aqui.
Logo, ao
perguntarmo-nos: o que pode a Performance no Nordeste? Estamos simultaneamente
questionando-nos sobre o que pode a Performance em Pirituba ou em
Interlagos. Posto isto, encerro este
texto com a fala feita pelo Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP e
performer Lucio Agra, para o Circuito
Regional de Performance Bode Arte, organizado pelo Coletivo ES3 e o Grupo
Facetas, Mutretas e Outras Histórias no
Rio Grande do Norte.