| Chão Cama das Cidades, Perfografia Edição #4 _Perus/SP |
Por Denise Rachel e Diego Marques.
Já conhecíamos Perus. Possuíamos
uma representação, uma ideia, um mapa mental do que poderia ser o bairro de
Perus. Como seria então perfografar – cartografar através da performance – uma
região já conhecida e incorporada ao nosso mapa cognitivo? Como nos
desterritorializarmos e reterritorializarmos em um ambiente que fez ou faz
parte de nossa vivência cotidiana, no qual a memória acionada suscita a
emergência de diferentes narrativas pré-existentes? Dispusemo-nos, então, à
prática do exercício constante de reconfiguração destes mapas, lançando mão da
subida e da descida dos morros e vielas de Perus como prática estética. Desse
modo, experimentamos abandonar a familiaridade com o bairro através do sobe e
desce de sua topografia íngreme, um convite ao tropeço desestabilizador de
referências cristalizadas, abrindo o corpo para instabilidade dos afetos que o
suscita a buscar um (re) equilíbrio – o tropeço como performance, a performance
como cartografia - ao tropeçar os
sentidos se aguçam, a visão se embaralha, os afetos fazem o corpo vibrar, razão
e emoção trabalham juntas para promover o (re) equilíbrio, oferecendo-nos a possibilidade de incorporarmos
os afetos a percepção modificada pelo tropeço, perturbando nossos mapas de sentido através da
cartografia das sensações, do movimento das linhas de força que permitiram a
experimentação de Perus em sua multipli(cidade). E o fizemos. Através de uma série
de tropeços – momentos de territorialização, desterritorialização e
reterritorialização – que nos levaram a despencar pelas ladeiras abaixo,
escadarias acima, atravessar vielas e ruas sem saída, habitar terrenos baldios,
pontes, córregos que compõem o bairro. Desequilibrando e equilibrando,
tropeçando e caminhando, com a face rente ao chão ou cada vez mais próxima do
céu, percebemos e sentimos, perfografando as linhas de força que atravessaram
nossos corpos, o espaço urbano, os transeuntes, a performance, a vida. Neste
perfografia experimentamos através do agir reflexivo/intuitivo maneiras
diversas de compreender conceitos como devir, subjetividade, rizoma,
cartografia, mapa... Vimos que mapear, segundo Heloisa Neves, “é representar
alguma coisa, seja um espaço, um fenômeno, ou uma organização corporal”.
Cartografar, segundo a cartografia sentimental de Suely Rolnik pode ser
“mergulhar na geografia dos afetos e, ao mesmo tempo, inventar pontes para
fazer sua travessia: pontes de linguagem”. Perfografar, arriscamos, pode ser um
híbrido que atua nas fronteiras entre a ação e a representação, o visível e o
invisível, a macro e a micropolítica, a arte e a vida sem promover dicotomias,
mas embrenhando-se por entre este emaranhado e borrando fronteiras, desautomatizando
comportamentos, delineando uma cartografia (in)constante, presentificada sobre
um mapa em processo. Ao caminharmos na perspectiva da transitoriedade, nos
embrenhamos pelas ruas, becos e vielas de Perus, andamos, tropeçamos,
cartografamos, performamos nos espaços intersticiais da região, espaços estes
que não estão contemplados pelas representações cartográficas do bairro
disponibilizada no Google Maps: construções sem número, terrenos baldios, ruas
sem placa, escadarias sem nome... Brechas, na aparente organização
arquitetônica e urbanística, desencadeadoras de ideias, sentimentos, percepções,
sensações, convocadoras de invenções para se relacionar
com o outro em toda sua multipli(cidade). Assim construímos nossas pontes de
linguagem, por entre as brechas, no emaranhado, tateamos conexões que façam e
desfaçam sentido e sentidos no tempo-espaço presentes em que experimentamos a
cartografia como performance: um coração de gelo no asfalto, um travesseiro na
calçada , uma corda numa encosta, mudas de roupas numa viela-escada, uma venda
sobre os olhos e um elástico envolvendo dois, três e outros tantos corpos- linhas de força que tornam-se
linguagem ao simularem os afetos cartografados através da performance, diluída
nos interstícios do cotidiano do extremo oeste paulistano, emergente em um mapa provisório que convoca o
transeunte a transitar pelo espaço urbano de forma não usual, para
habitar o ilocalizável em suas cartografias oficiais, desta vez, guiado não só pela imperiosa visualidade, mas
por toda sua sensorialidade, mergulhando na geografia dos afetos com todo seu
corpo vibrátil, caminhando nas fronteiras entre cotidiano e extra
cotidiano, entre arte e a vida, entre a cartografia de seus afetos e os mapas de seus perceptos.