sábado, 18 de fevereiro de 2012

Mapa adentro, Mapa afora: Performance como cartografia em Perus.


Chão Cama das Cidades, Perfografia Edição #4 _Perus/SP




Por Denise Rachel e Diego Marques.

Já conhecíamos Perus. Possuíamos uma representação, uma ideia, um mapa mental do que poderia ser o bairro de Perus. Como seria então perfografar – cartografar através da performance – uma região já conhecida e incorporada ao nosso mapa cognitivo? Como nos desterritorializarmos e reterritorializarmos em um ambiente que fez ou faz parte de nossa vivência cotidiana, no qual a memória acionada suscita a emergência de diferentes narrativas pré-existentes? Dispusemo-nos, então, à prática do exercício constante de reconfiguração destes mapas, lançando mão da subida e da descida dos morros e vielas de Perus como prática estética. Desse modo, experimentamos abandonar a familiaridade com o bairro através do sobe e desce de sua topografia íngreme, um convite ao tropeço desestabilizador de referências cristalizadas, abrindo o corpo para instabilidade dos afetos que o suscita a buscar um (re) equilíbrio – o tropeço como performance, a performance como cartografia -  ao tropeçar os sentidos se aguçam, a visão se embaralha, os afetos fazem o corpo vibrar, razão e emoção trabalham juntas para promover o (re) equilíbrio, oferecendo-nos a possibilidade de incorporarmos os afetos a percepção modificada pelo tropeço,  perturbando nossos mapas de sentido através da cartografia das sensações, do movimento das linhas de força que permitiram a experimentação de Perus em sua multipli(cidade). E o fizemos. Através de uma série de tropeços – momentos de territorialização, desterritorialização e reterritorialização – que nos levaram a despencar pelas ladeiras abaixo, escadarias acima, atravessar vielas e ruas sem saída, habitar terrenos baldios, pontes, córregos que compõem o bairro. Desequilibrando e equilibrando, tropeçando e caminhando, com a face rente ao chão ou cada vez mais próxima do céu, percebemos e sentimos, perfografando as linhas de força que atravessaram nossos corpos, o espaço urbano, os transeuntes, a performance, a vida. Neste perfografia experimentamos através do agir reflexivo/intuitivo maneiras diversas de compreender conceitos como devir, subjetividade, rizoma, cartografia, mapa... Vimos que mapear, segundo Heloisa Neves, “é representar alguma coisa, seja um espaço, um fenômeno, ou uma organização corporal”. Cartografar, segundo a cartografia sentimental de Suely Rolnik pode ser “mergulhar na geografia dos afetos e, ao mesmo tempo, inventar pontes para fazer sua travessia: pontes de linguagem”. Perfografar, arriscamos, pode ser um híbrido que atua nas fronteiras entre a ação e a representação, o visível e o invisível, a macro e a micropolítica, a arte e a vida sem promover dicotomias, mas embrenhando-se por entre este emaranhado e borrando fronteiras, desautomatizando comportamentos, delineando uma cartografia (in)constante, presentificada sobre um mapa em processo. Ao caminharmos na perspectiva da transitoriedade, nos embrenhamos pelas ruas, becos e vielas de Perus, andamos, tropeçamos, cartografamos, performamos nos espaços intersticiais da região, espaços estes que não estão contemplados pelas representações cartográficas do bairro disponibilizada no Google Maps: construções sem número, terrenos baldios, ruas sem placa, escadarias sem nome... Brechas, na aparente organização arquitetônica e urbanística, desencadeadoras de ideias, sentimentos, percepções, sensações, convocadoras de invenções para se relacionar com o outro em toda sua multipli(cidade). Assim construímos nossas pontes de linguagem, por entre as brechas, no emaranhado, tateamos conexões que façam e desfaçam sentido e sentidos no tempo-espaço presentes em que experimentamos a cartografia como performance: um coração de gelo no asfalto, um travesseiro na calçada , uma corda numa encosta, mudas de roupas numa viela-escada, uma venda sobre os olhos e um elástico envolvendo dois, três e outros tantos corpos- linhas de força que tornam-se linguagem ao simularem os afetos cartografados através da performance, diluída nos interstícios do cotidiano do extremo oeste paulistano, emergente  em um mapa provisório que convoca o transeunte a transitar pelo espaço urbano de forma não usual, para habitar o ilocalizável em suas cartografias oficiais, desta vez,  guiado não só pela imperiosa visualidade, mas por toda sua sensorialidade, mergulhando na geografia dos afetos com todo seu corpo vibrátil, caminhando nas fronteiras entre cotidiano e extra cotidiano, entre arte e a vida, entre a cartografia de seus afetos e os mapas de seus perceptos.