terça-feira, 21 de maio de 2013

Fruta de feira tem gosto de história

Por Michel Yakini


Nossa Senhora da Feira ou Africanizando Márcia X, Perfografia#8_Pirituba/SP, 2013













































Era um dia daqueles. Feira no auge, circulação a mil, quem compra, quem vende, quem passa, quem pede, quem nega. Quando Nossa Senhora da Feira surgiu entre nós houve quem confiasse a ela a beleza do dia, uns ajoelharam em pensamento, outros olharam como quem visse o cramulhão em pessoa, fugiram assustados, temendo memórias de pipoca e leite condensado, pois o estranho é mesmo estranho nessas horas.

Na digna compreensão de uma santa, Nossa Senhora da Feira fez o que devia ser feito, subiu em seu altar pagão, entre oferendas de pastéis e caldo de cana, se ritualizou e exalou a benção do estranhamento no ar. Dizem que ela é mesmo a santa das causas estranhas, que aparece quando rezamos um “Paitrão Nosso” com fervor em procissão, e assim foi...

A graça de Nossa Senhora da Feira derramou sensibilidade em algumas pessoas, que resolveram dedicar seus sentimentos aos céus, para brilhar como estrelas, voar por aí, mandar um recado ao amigo perdido. Há quem tenha deixado de lado a sacola, a oferta, o master card, para cometer o pecado da tartaruga, parar um minuto na feira que anda mil, soltar cores no ar, fazer um arco-íris de balões, ou seriam as lágrimas que escorriam e ganhavam asas na eternidade? A saudade é um passarinho, que mesmo quando não vemos, canta pra dizer que está ali, pertinho de nós, pra anunciar o giro dos tempos.

Estava chegando Abril, talvez fosse esse o segredo. Dizem que na cultura chinesa é tradição que nessa época as Queixas, mulheres sagradas, venham para as praças e feiras oferecem o néctar do seu silêncio aos homens. Para que eles provem até se esbaldar, fiquem de barriga cheia, extasiados e preguiçosos, assim as Queixas escorrem seu néctar entre as sobras, entre os restos, para que todos vejam e compreendam seu silêncio escondido em belas maquiagens. Essa revelação é temida pelo povo, pois anuncia tempos de fome, seca, miséria.

Foi batata! Tempos depois, edificou-se o Império da Miss Xepa, meio homem, meio mulher, contemplada pelos cachorros, desfilando pomposa entre os detritos, o circo sem pão, o flash do facebook, que tecla com voracidade, como se comesse um suculento bife de primeira. A musa dos desesperados, o riso dos banguelas. Impiedosa, sorriu a todos como uma digna miss da situação alheia, pois ela quer destaque, quer ser e existir, nem que pra isso estique seu próprio tapete na passarela do caos, no desmontar das barracas.

Sem perder tempo, eis que surgiu o remédio dos pobres e esquecidos. De prontidão, com sua bolsa Luis Vitão, seu terninho importado de Cuba e comprado na Oscar Freire, a nossa presidenta anunciou a solução: a Bolsa Xepa. Como é do povo e gosta do povo, tanto que fala com ovo na boca, ela mesma veio fazer o lançamento do programa, fazer o piquenique de lançamento do programa, com direito a Hino Nacional e degustação de pêssegos meia boca. Ninguém aderiu, quando a esmola é demais o santo desconfia, mas muitos ficaram com vontade, quiseram saber a boca pequena, por qual motivo a excelentíssima veio ficar entre nós, sem lenço e sem documento, se igualando, no País de Todos. Belo exemplo.

E como a feira, tudo acabou e voltou ao normal, como se nada tivesse acontecido, só um borrão na memória, um risco no ar, palavras ao chão, era pra ser assim, assim foi. Tudo virou história, sugestão de rima, prato cheio pra poeta fabular, escrever e cantar, pois na verdade, na verdade, não quero lhe assustar e nem mesmo lhe enganar, pois li essa epopeia de Santa, Bexiga, Queixa, Bolsa e Miss, pendurada no meio da feira, parecendo um chafariz pregado na passagem, num tal de Sarau Varal. Tudo isso é vento que cruza a estrada, a gente sente e nem dá conta do apostado, pois mesmo sem perceber já ficou ventado.