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| Nossa Senhora da Feira ou Africanizando Márcia X, Perfografia#8_Pirituba/SP, 2013 |
Era um dia daqueles. Feira no
auge, circulação a mil, quem compra, quem vende, quem passa, quem pede, quem
nega. Quando Nossa Senhora da Feira surgiu entre nós houve quem confiasse a ela
a beleza do dia, uns ajoelharam em pensamento, outros olharam como quem visse o
cramulhão em pessoa, fugiram assustados, temendo memórias de pipoca e leite
condensado, pois o estranho é mesmo estranho nessas horas.
Na digna compreensão de uma
santa, Nossa Senhora da Feira fez o que devia ser feito, subiu em seu altar
pagão, entre oferendas de pastéis e caldo de cana, se ritualizou e exalou a
benção do estranhamento no ar. Dizem que ela é mesmo a santa das causas
estranhas, que aparece quando rezamos um “Paitrão Nosso” com fervor em
procissão, e assim foi...
A graça de Nossa Senhora da Feira
derramou sensibilidade em algumas pessoas, que resolveram dedicar seus
sentimentos aos céus, para brilhar como estrelas, voar por aí, mandar um recado
ao amigo perdido. Há quem tenha deixado de lado a sacola, a oferta, o master
card, para cometer o pecado da tartaruga, parar um minuto na feira que anda
mil, soltar cores no ar, fazer um arco-íris de balões, ou seriam as lágrimas
que escorriam e ganhavam asas na eternidade? A saudade é um passarinho, que
mesmo quando não vemos, canta pra dizer que está ali, pertinho de nós, pra
anunciar o giro dos tempos.
Estava chegando Abril, talvez
fosse esse o segredo. Dizem que na cultura chinesa é tradição que nessa época
as Queixas, mulheres sagradas, venham para as praças e feiras oferecem o néctar
do seu silêncio aos homens. Para que eles provem até se esbaldar, fiquem de
barriga cheia, extasiados e preguiçosos, assim as Queixas escorrem seu néctar
entre as sobras, entre os restos, para que todos vejam e compreendam seu
silêncio escondido em belas maquiagens. Essa revelação é temida pelo povo, pois
anuncia tempos de fome, seca, miséria.
Foi batata! Tempos depois, edificou-se
o Império da Miss Xepa, meio homem, meio mulher, contemplada pelos cachorros,
desfilando pomposa entre os detritos, o circo sem pão, o flash do facebook, que
tecla com voracidade, como se comesse um suculento bife de primeira. A musa dos
desesperados, o riso dos banguelas. Impiedosa, sorriu a todos como uma digna
miss da situação alheia, pois ela quer destaque, quer ser e existir, nem que
pra isso estique seu próprio tapete na passarela do caos, no desmontar das
barracas.
Sem perder tempo, eis que surgiu
o remédio dos pobres e esquecidos. De prontidão, com sua bolsa Luis Vitão, seu
terninho importado de Cuba e comprado na Oscar Freire, a nossa presidenta
anunciou a solução: a Bolsa Xepa. Como é do povo e gosta do povo, tanto que
fala com ovo na boca, ela mesma veio fazer o lançamento do programa, fazer o
piquenique de lançamento do programa, com direito a Hino Nacional e degustação
de pêssegos meia boca. Ninguém aderiu, quando a esmola é demais o santo
desconfia, mas muitos ficaram com vontade, quiseram saber a boca pequena, por
qual motivo a excelentíssima veio ficar entre nós, sem lenço e sem documento,
se igualando, no País de Todos. Belo exemplo.
E como a feira, tudo acabou e
voltou ao normal, como se nada tivesse acontecido, só um borrão na memória, um
risco no ar, palavras ao chão, era pra ser assim, assim foi. Tudo virou
história, sugestão de rima, prato cheio pra poeta fabular, escrever e cantar,
pois na verdade, na verdade, não quero lhe assustar e nem mesmo lhe enganar,
pois li essa epopeia de Santa, Bexiga, Queixa, Bolsa e Miss, pendurada no meio
da feira, parecendo um chafariz pregado na passagem, num tal de Sarau Varal.
Tudo isso é vento que cruza a estrada, a gente sente e nem dá conta do
apostado, pois mesmo sem perceber já ficou ventado.
